universo paralelo (1)

1) Universo paralelo: são 65 (sessenta e cinco) quilômetros daqui, onde estamos, até a cidade de Chapada dos Guimarães. Quase deserta,  nesta terça-feira trivial, em tudo indistinta. Te busco. Saio daqui pensando na tua risada ecoando no carro, nas desculpas que vc. irá inventar para sumir por uma tarde, nas tuas provocações e brincadeiras a estrada inteira. Sei que vai me pedir para ir mais devagar em um trecho, mais bonito, e vai me pedir de um jeito que só vai me deixar esta alternativa. E uma vez lá, estes sessenta e cinco quilômetros se parecerão com um mundo,  a distância entre duas realidades: aquela que deixamos para trás e a que temos a sorte imensa de experimentar, sem pressa, sem culpa, sem satisfação a mais ninguém.

2) A outra escolha: indiferente à chuva que insiste em cair há semanas, a vida segue um curso previsível. A chuva traz frio, mas a insistência geral é no ar condicionado, nas centenas de salas quase tão indistintas como a terça-feira. Aqui no meu canto, a idéia da existência de um universo paralelo é o que me intriga e move. Nele, este Ricardo saiu no início da tarde, avisando que não retornaria; na chuva fina, dirigiu-se à um prédio na mesma região onde, em uma sala igualmente fria demais, a garota de óculos que ele conhecera alguns anos atrás  aguardava uma chamada em seu celular, os olhos indo deste ao monitor, aos colegas e novamente ao celular.  Que enfim tocou, e moveu garota, óculos, celular, olhares e comentários mudos em direção à porta, depois ao corredor largo, aos jardins e finalmente, ao carro estacionado logo em frente. Dalí, seriam sessenta e cinco quilômetros até a cidadezinha e  ao calor, apesar de todo o frio.

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obs: É um tema recorrente, eu sei. Creio que publiquei algo próximo em 2009… mas algumas vontades permanecem e, ocasionalmente,  são estas vontades que nos salvam, suportam, inspiram. É isso.

Arrependimentos Musicais

Fui adolescente lá pela segunda metade dos anos 80, e duas bandas que demorei para ouvir (ou melhor, para respeitar) foram, justamente, duas queridinhas da minha geração: o U2 e, aqui do Brasil, a Legião Urbana. E nem era algo relacionado especificamente à música, mas sim com os fãs; ambas as bandas possuíam hordas de seguidores  fanáticos que, como todos os extremistas apaixonados, eram um porre de se aturar. Religião Pop, parei aqui.  Fechei meus ouvidos para qualquer coisa que viesse de ambas, por um longo tempo; e lembro exatamente de onde mudei de idéia e comecei a ouvir e descobrir que, longe das canções óbvias de trabalho, aquelas que tocavam nas rádios ad nauseum, existiam sim, boas letras e melodias interessantíssimas.

Da Legião meu afastamento durou até 1995, quando acompanhei uma amiga porra-louca num boteco pra lá de  ‘alternativo’ (até demais) e fiquei encucado, que p… de banda é esta que está tocando no som, parece Joy Division, industrial, seco, urgente…  as linhas de baixo e guitarra iguais ao Joy mas… está cantando em português… caramba, que legal – letra inclusive!! Que massa!!!  Sim, era legal, e eram os primeiros discos da Legião… quem diria. Queimei minha língua.

Já do U2, eu mantinha mais distância ainda, até que,  do nada, em 2008 apareceu para mim uma gravação da Cassandra Wilson de uma música realmente linda. Gostei da melodia, já gostava da voz e do estilo dela, prestei mais atenção à letra: lá pelo meio, “Love is clockworks and cold steel / Fingers too numb to feel.…” – peraí.. bom!!! E mais adiante, “Love is blindness, I don’t want to see / Won’t you wrap the night around me?”.  Caramba, que letra inspirada… fui  pesquisar, esperando algum nome do R&B na composição, deixa eu ver, quem sabe tem mais destas…. Rá! U2. Engolí em seco. Para aprender a não pré-julgar um artista pela exposição/promoção que ele tem – ou ao menos, não pré-julgar toda a produção dele… 😉

processo de reencontro

Tem acontecido assim: um mês antes do retorno das aulas, eu começo a questionar minhas aptidões para a ‘nova carreira’, meu aproveitamento no curso de Direito, o quando/quanto mudarei meus rumos profissionais, etc. “Será que estou no caminho correto? É mesmo isso que quero? E aula, caramba, cobrança (própria inclusive), avaliações, trabalhos… e horários?  E a natação, como fica? E depois de formado? E se isso, e aquilo?”. Passada esta fase  questionativa, vem o impulso: eu vou . Por dois anos (2008 e 2009) o questionamento (claro, não só ele, mas também ele) me deixou longe da UFMT… em 2010 não, e felizmente, 2011 também não. Em ambos os anos, depois de alguns dias, eu já me questionava novamente: “como havia sobrevivido tanto tempo sem isso” – o “isso” sendo aquela bagunça de faculdade, o conhecimento chegando aos montes, as novas idéias e   pessoas por conhecer… 🙂

Aurora de Paz (trecho)

“…Enfrente a vida sorrindo
Nossa manhã já vem vindo
Repare que dia lindo
Pra lhe consolar
Prepare o seu coração
Que essa aurora é de paz
E quem já sofreu uma vez
Desta vez não sofre mais…”
Elton Medeiros/Cacaso
Descobri por acaso, e por acaso divido aqui. Primeiro post de 2011, direto do ‘caderninho novo’!! 🙂

Intuição

Será que é sorte, a de quem intuiu antes a mulher interessantíssima que surgiria dali,  construindo-se aos poucos, na vivência e descoberta do mundo? Se convocado a ser sincero até meu último grau neste assunto, eu teria de admitir que, intuições à parte, há em mim uma pontinha de inveja saudável de algum cidadão futuro, que qualquer hora destas irá  descobri-la – bonita, madura, cheia de idéias; e que se tiver algum juízo, vai trazê-la pra sua vida e fazer parte da dela. Eu teria. 😉

porque loucura pouca é bobagem:

isto FOI um caminho utilizado para manutenção/inspeção em uma usina hidrelétrica espanhola construída em 1905, há um bom tempo abandonado… alguns malucos descobriram e resolveram usar para outros fins (bem menos utilitários e mais emocionantes). “El Caminito del Rey”, em Málaga, ganhou o nome após a visita do rei Alfonso XIII em 1921 – sim, o rei fez o percurso… mas na época em que ainda havia onde pisar! 🙂 Hoje está interditado, e o governo espanhol tem planos de restaurá-lo para fins turísticos. Queria conhecer, mas depois da restauração… 😉

Para uma senhora, desconhecida, perdida em uma janela.

Sei que ela sempre fica sentada lá no fundo da churrascaria, quietinha – uma única vez a ví entrando na cozinha, e logo voltou para a última mesa, perto do escritório. Tem bastante idade, e parece ter sido bonita, em sua época: eu a vejo olhando a rua pela vidraça enorme, e imagino o que ela pensa, do que ela se lembra; certamente não é daquela rua, mas alguma rua, outra rua, milhares de quilômetros daqui, quem sabe?. Mesmo quando a minha mesa barulhenta, cheia de comemorações & palmas & risadas preenche o espaço do salão, ela permanece imutável: um meio-sorriso, ou só o olhar perdido para a janela imensa, esperando o tempo passar, esperando a volta para casa.

Dá vontade de pedir aos meus: não a perturbem muito, não a aborreçam muito: deixem-na sonhar um pouco por aquela janela. E aos dela: alguém que a entenda, e lhe seja familiar e importante, vá até lá, e aproveite a oportunidade para lhe fazer um agrado, para falar com ela, lhe dar um abraço. Cinco minutinhos que sejam, mas vá. Alguém que a traga para o presente, de tempos em tempos, para que ela não se perca. É isso.

tudo quanto eu posso querer dizer

Eu hoje acordei pensando em algumas pessoas – gente que esbarrou em minha vida em algum ponto dela, que apareceu e foi embora, que não foi ou desviou. Acho que acordei pensando nelas para evitar pensar em uma só, um caminho que só tem duas saídas e nenhuma volta. Ser só (não estar só, que estar é algo temporário, é o dos outros e não meu caso) parece quase uma ruindade (aí sim, pra sí e para os outros); fiquei matutando a idéia e me apareceram aqui a srta L., rocker, um bebezinho risonho em um vestido preto curto em uma noite de festa, pura nonchalance – aquela postura desligada diante da vida que me atraía e atrai; na srta. F. nos seus dezessete anos, toda urgência & sei que aqui, imediatamente, quis aquele brilho dos olhos dela como nunca tinha imaginado antes, minha estréia em desespero por causa de mulher. Srta. M, que tinha as tais covinhas no rosto delicado, para quem, na ausência de cadeiras na sala (na sede temporária da empresa), eu me abaixava para olhá-la mais de perto, e era quando eu falava como quem fala à uma criança, de um jeito doce. Srta M. jamais me entendeu; mas eu a pressentia em todo e qualquer lugar, algo assombroso.

Pensei também na Sra R., que me deixava exausto com a montanha-russa emocional que era sua vida, e eu quis tanto – mas tanto – que até a amizade resistiu ao não. Quando o não pode virar sim, ou quis virar sim, eu já não podia, honestamente, vivê-lo. Cada um a seu momento, saímos de cena. Lembrei de ter passado um tempo imenso, desacreditado. Lembrei da menina bonita que esperou o estágio acabar para me ligar, sem jeito mas cheia de coragem, me chamando para sair; de outra colega que teve comigo uma paciência (e uma decência, em não tripudiar) além da conta, até que só bem recentemente eu pudesse olhá-la com o mesmo (ou ainda maior) carinho, mas sem automaticamente imaginar algum futuro juntos. E quanto mais eu evitava a idéia, pensando nelas todas, em meus tropeços e acertos, mais eu me via hoje – e ontem, e nos últimos dias, a meio passo de recomeçar a busca, tateando o caminho. Até aqui, é tudo quanto eu posso querer dizer.

não-ficção

…mas havia algo com que ele não contava: outra vez aquela voz insistente, que vinha de dentro e zombava das suas dúvidas (algumas realmente risíveis) e avanços incertos, mas lhe era franca: ‘Ricardo, a felicidade não espera – é escolha, arriscar vivê-la ou suportar sua ausência até alguma próxima volta da vida’. Havia o quê, anos? desde que a tal voz se calara; neste meio tempo, tinha se virado como podia, sem esta ajuda. Até a noite de ontem, para ser mais exato: não conseguira ser indiferente a ela. Outra vez neste encanto.

Parte dele ainda colocava as coisas em perspectiva: datas, frases, instantâneos, aquele determinado olhar dela; a outra parte, que ele já sabia perdida nesta idéia, o inquietava. Coração não é bicho simplório, tinha aprendido: e o dele além disso era também fácil em misturar afetos, quereres, carinhos, admiração. Nunca fora simples como parece ser para os outros, como estender a mão. A idéia, porém, de algo assim, que nascesse e terminasse nele e em silêncio, era ainda pior que qualquer confusão em que o coração lhe colocasse.

Alegria, Alegria

Caminhando contra o vento
Sem lenço e sem documento
No sol de quase dezembro
Eu vou…

O sol se reparte em crimes
Espaçonaves, guerrilhas
Em cardinales bonitas
Eu vou…

Em caras de presidentes
Em grandes beijos de amor
Em dentes, pernas, bandeiras
Bomba e Brigitte Bardot…

O sol nas bancas de revista
Me enche de alegria e preguiça
Quem lê tanta notícia
Eu vou…

Por entre fotos e nomes
Os olhos cheios de cores
O peito cheio de amores vãos
Eu vou
Por que não, por que não…

Ela pensa em casamento
E eu nunca mais fui à escola
Sem lenço e sem documento,
Eu vou…

Eu tomo uma coca-cola
Ela pensa em casamento
E uma canção me consola
Eu vou…

Por entre fotos e nomes
Sem livros e sem fuzil
Sem fome, sem telefone
No coração do Brasil…

Ela nem sabe até pensei
Em cantar na televisão
O sol é tão bonito
Eu vou…

Sem lenço, sem documento
Nada no bolso ou nas mãos
Eu quero seguir vivendo, amor
Eu vou…

Por que não, por que não…
Por que não, por que não…
Por que não, por que não…
Por que não, por que não…

Alegria, Alegria (Caetano Veloso) tem um gosto todo especial, para mim (seja pela letra mesmo, seja pelo contexto em que eu ouvi nas primeiras vezes). E é paixão antiga, do Ricardinho de 1980 e qualquer coisa… tem jeito e cara de verão, leve, sol na janela no final da tarde, risada, picolé de limão e quase-férias. Fica assim uma felicidade boba, declaradamente descompromissada, que combina com o título… 🙂

Mini-revelação

…outro dia eu me descobri, num instantezinho assim de nada, na mesma sensação boa de estar no mundo, da existência boa por sí só, que eu tinha aos quinze anos. Foi coisa rápida, de uns cinco ou dez segundos, mas suficientes para respirar algo de vida que, definitivamente, faz falta. Pensei nas pessoas que eu conheci que mantinham este, digamos, entusiasmo adolescente diante do mundo, diante das possibilidades, pessoas e situações a experimentar. Eu falaria destes que têm um tipo de fome disso tudo, mas estaria dizendo pequeno como antes desta mini-revelação. Depois dela, seria melhor dizer destas pessoas que enchem o pulmão de mundo, de tudo isso, e esta respiração despercebida (porque é ato involuntário) atrai ao seu redor outra energia; esta coragem diferente.

Logorama

Logorama from Marc Altshuler – Human Music on Vimeo.

A melhor animação que vejo em anos… material para refletir, especialmente para quem anda farto desta corrida para um mundo cada vez mais infernalmente igual (e mais pobre, também, quando o trator corporativo põe abaixo a variedade). Faltam-me palavras; resta assistir à esta jóiazinha descolada no Vimeo, enquanto não tirarem do ar!! 🙂

Valsa Brasileira

“Vivia a te buscar
Porque pensando em ti
Corria contra o tempo
Eu descartava os dias
Em que não te vi
Como de um filme
A ação que não valeu
Rodava as horas pra trás
Roubava um pouquinho
E ajeitava o meu caminho
Pra encostar no teu

Subia na montanha
Não como anda um corpo
Mas um sentimento
Eu surpreendia o sol
Antes do sol raiar
Saltava as noites
Sem me refazer
E pela porta de trás
Da casa vazia
Eu ingressaria
E te veria
Confusa por me ver
Chegando assim
Mil dias antes de te conhecer…”

Do Chico Buarque e do Edu Lobo,  bonita que só! Já me tirou o sono, já me explicou um mundo, já coloriu outro. Daí a importância.

a pin-up de vidro, aço e concreto

Stahl House, Case Study 22, por Julius Shulman

Stahl House, Case Study 22, por Julius Shulman

São Google é mesmo mágico. Nas minhas andanças atrás de obras do xará Richard Neutra (arquiteto), curiosidade minha, acabei esbarrando ocasionalmente em algumas fotos feitas  por Julius Shulman (fotógrafo especializado em arquitetura) e na Stahl House. A história: na década de 50, uma revista estadunidense (Arts & Architecture) contratou vários arquitetos de destaque para que projetassem o que seria a casa norte-americana de então (modernista, utilizando técnicas e estruturas inovadoras, e materiais como aço e vidro abundantemente). Vivia-se o furor do pós-guerra, os recursos fartos, e os baby boomers consumiam um estilo de vida que procurava afirmar-se (e mais tarde, conseguiria, ao menos em parte). Estas casas foram chamadas de ‘estudos de caso’, sendo várias construídas de fato e algumas ainda preservadas. Com projeto de Pierre Koenig e situada em uma área reservada de Los Angeles, a Stahl House, ou Estudo de Caso 22, talvez seja a mais emblemática delas; tornou-se ícone, através das fotografias de Julius Shulman. Com sua grande área envidraçada, uma vista livre  da cidade em sua porção ‘aérea’ (parte da casa está sustentada em um penhasco por uma estrutura de concreto), a Stahl já foi descrita como ‘uma pin-up de vidro, aço e concreto’ – uma conexão evidente entre desejo e luxo, exposição e sensualidade, estilo de vida e sucesso.  Em uma de suas fotografias mais famosas, Shulman compõe uma cena noturna, na qual duas mulheres conversam na sala suspensa da casa, a vista de Los Angeles como pano de fundo. Em fotos de outros artistas, mais recentes, a mesma vista se impõe contra a piscina que margeia a casa, azul contra azul, o deck se prolongando além dos limites que a física impõe. Realmente impressionante.

Por curiosidade, a Stahl é mantida aberta à visitação, em grupos, mediante agendamento e uma pequena taxa. Aqui, o link do site dedicado à casa, com a história da casa, reservas, muitas fotos e curiosidades. Espero fazer um tour destes, ainda… 😉

A Stahl House hoje, foto obtida na Wikipedia.

A Stahl House hoje, foto obtida na Wikipedia.

Inesquecíveis

Há muitos anos (uns dez) eu fiz uma lista de coisas que eu não queria esquecer. Era uma lista bem resumida e, verdade, deveria ter elencado umas vinte ou trinta lembranças logo – muita coisa interessante ficou de fora, e, principalmente, muita gente. Mas gostei de encontrá-la perdida num arquivo antigo, e avaliar se eu realmente esqueci alguma delas…

1. Pedro Juan Caballero num dia de chuva, rachar a parrillada e a cerveja boliviana em um restaurantezinho paraguaio com um grande amigo;

Não, não me esqueci. Íamos a Pedro Juan em ônibus de excursão, pela diversão de comprar as tranqueirinhas eletrônicas, caña paraguaia, peças de computador,  batata frita de tubo, e tudo aquilo que ainda não existia em Cuiabá em 1991/2.  Havia um restaurante do lado paraguaio que servia a parrillada, em um braseiro levado à mesa. Dois grandes bifes e muitos miúdos de boi; meu amigo adorava os miúdos e eu ficava com os bifes. A cerveja tinha quase um litro e era uma delícia, jamais encontrei em outro lugar… muy buena!!! O amigo era o Roberto Hor-Meyll, meu grande, grande amigo. Ele conseguia estas viagens para a gente com a esposa, a Maria, e saíamos do trabalho na sexta-feira direto para o ônibus; muita bagunça e muita risada depois, no domingo cedo, estávamos novamente em Cuiabá, de malas cheias e bolsos vazios!!

2. Em outra viagem, o olhar e as risadas das meninas de lá, enquanto o coletivo fazia a linha aeroporto – divisa pelas ruazinhas de terra;

Vez ou outra fui sozinho para Pedro Juan… lembro-me de ter ido buscar minha impressora (sim, em 1991 uma impressora nacional era ‘incomprável’ com nosso salário) e resolvi registrá-la na alfândega, para evitar problemas com a fiscalização. Com a mochila cheia de muambinhas pessoais e a caixa (enorme) da impressora, peguei um coletivo no centro da cidadezinha e fui até o aeroporto, longe do comércio paraguaio. Aí sim conhecí Ponta Porã e Pedro Juan: ruas de terra, jeitão interiorano, a chuva fina e alguma lama, bares de tábua, ruas de silêncio, e sim, dentro do ônibus, um grupo de meninas, estudantes, com aquele jeito (aparência, modo de olhar, rir, abordar, puxar conversa) exatos do norte do Paraná (o que eu adoro de paixão)… foi divertido. 🙂

3. Subir escondido no terraço do Edifício Milão, ou no INSS/Cuiabá, e perder o fôlego com a vista. Depois descer como se nada tivesse acontecido;

Eu fiz algumas vezes, em 85, 86. O Milão era ‘o’ edifício comercial de Cuiabá na época, e eu gostava de subir escondido no terraço. Não tinha nada a ver com o comércio de lá, apenas pegava o elevador e subia até o penúltimo andar… aí, escadas e a vista de Cuiabá, linda. É verdade que morava gente lá (porteiro, acho), mas isso era um detalhe… nunca me descobriram mesmo… rs…

O do INSS subi com minha irmã e um amigo, na mesma época. Despistamos os seguranças (trocamos de elevador quatro vezes no caminho!), e chegamos ao tal terraço;  na hora de descer, a mesma manobra e sucesso. Muitos e muitos anos depois, já trabalhando, universitário, etc… uma amiga  me liga à tarde, ‘estou na frente do seu trabalho’. De farra, fomos até lá e subimos, desta vez menos escondidos. Deixamos apenas um documento na entrada (dela, um crachá de estagiária já sem uso) e subimos, querendo falar com um ‘joão de tal no sexto andar’. Não encontramos o joão de tal, claro,  porque passamos direto para o terraço…

4. Fugir do serviço numa quarta-feira à tarde e ir tomar um chopp geladíssimo, em pleno horário de expediente;

É verdade. Trabalhava à tarde e, quase toda semana, ia resolver problemas de madrugada (trabalhava em um banco como programador e acabei responsável, sozinho, pelo software de compensação bancária – a ‘digitação’ e troca dos cheques com os outros bancos). O problema é que o tal software só rodava à noite, e terminavam o trabalho de madrugada… meu telefone tocava tarde da noite dia sim, dia não; como não poderia deixar ‘pro outro dia’, pegava meu carro e ia lá resolver vastas plantações de pepinos. Lógico, como não recebia horas-extras, tirava algumas folgas ‘por conta’ e, várias vezes, ia parar no Goiabeiras, quando havia um terraço bacana por lá, com vista da cidade.  Chopp, uma porção de fritas, depois um cinema… três horas da tarde. 😉

5. A menina loirinha do teatro, desesperadoramente linda, perfeita, escondendo o rosto atrás da camiseta, depois de um ensaio, rindo.

É especialmente difícil escrever sobre isto, mas vamos lá: em 92, resolvi voltar a estudar (engraçado como isto é uma constante em minha vida!) e procurei o antigo colégio Anglo, hoje Isaac Newton / Cin. Era o melhor cursinho pré-vestibular da cidade, cabia no meu (apertado) orçamento de programador, e ficava no meio do caminho entre minha casa e o trabalho. Foi onde conheci a menina, e perdi-me em tentativas por uns bons dois anos. Um amigo aconselhou: ‘esquece, ela é modelo (nessa hora eu quase desisti mesmo, não curto nada deste mundo) e atriz de teatro (e aí eu me apaixonei de vez… deste mundo, eu gosto!)’.  Infelizmente (e este é um infelizmente sentido) a falta de jeito, a velha incapacidade de expressão – qualquer nome para isto que era mais que timidez apenas – minou qualquer chance de final feliz, ou, ao menos, de alguns bons momentos assim. Mas ficaram guardadas algumas cenas, e uma das que ainda me tocam, tanto tempo depois,  é de um finalzinho de tarde, em que o grupo saía do ensaio, e ela passou por mim descalça, exausta, tentando esconder o rosto atrás da camiseta e rindo, o olhar que me encantava. Pouquíssima gente, depois, teve este dom de me tirar o rumo, de preencher com mágica o que ainda não havia, de dar grande sentido a coisas muito simples.

6. Entre Colider e Alta Floresta, andar na estrada coberta pelas árvores – como em um túnel; parar em um botequim na beira da estrada e jogar conversa fora com outros viajantes, tomando café;

Quando ainda existiam árvores e a estrada não era asfaltada – algo como 1988 ou 89, creio. Meu pai tocava, com pouquíssimo dinheiro e muita vontade, um jornal tablóide que circulava semanalmente no norte de Mato Grosso. É uma lembrança impressionante: a floresta cobria a estrada, e só não a invadia por conta do tráfego desta. As árvores encontravam seus galhos acima da estrada, em alguns pontos, e o cheiro úmido e frio da mata era constante. Andava-se não ao lado, mas em meio ao verde… meu pai, cansado de dirigir nosso velho Ford Corcel azul, encostou em um botequim de beira-de-estrada. Colonos gaúchos tocavam o barzinho, com o sotaque puxado e o jeito de servir do Sul. Quando a estrada afastava-se um pouco da mata, o céu que se via era claro e extenso, infinito. Fotografia alguma capturaria aquilo, e nossa proporção em relação ao mundo se fazia dramática – algo estranho e forte, mas esclarecedora e, de alguma forma, religiosa – no sentido exato de religar-nos a algo superior, a uma força além, incompreensível, mas perfeitamente discernível. Algo que todo mundo deveria experimentar um dia.

7. Invadir a pista do aeroporto para ‘fotografar o 737 mais de perto’, e sair escoltado por dois agentes da Infraero;

Fiz. Era um garoto louco pela aviação, que sonhava em ser piloto e, até, de garimpo (!), e ia ao aeroporto de Várzea Grande  todo domingo junto ao pai, buscar as pilhas de jornal (Folha de São Paulo e Folha de Londrina) para distribuir nas bancas. Hoje é praticamente impossível algo assim acontecer, mas em 85, quando Cuiabá era uma cidade muito menor e mais simples, tranquila, eu fiz. Catei a máquina fotográfica, aproveitei a distração do meu pai e fui lá pra pista, ‘tirar umas fotos’, que ainda tenho… 🙂

8. Almoçar no Restaunte Rodeio, quando estiver em Londrina. E se sentir um pouco na cidadezinha de 1970, andar pelo calçadão, sem pressa, sem destino;

Sagrado. Vou a Londrina, vou ao Rodeio. O Rodeio é um restaurante antigo, sem muito luxo, mas de mesa farta e tempero excelente. Nas décadas passadas, foi o lugar onde costuravam-se acordos políticos, onde fechavam-se negócios, onde ia-se comer bem com a família. Hoje, tornou-se um restaurante ‘prático’ (fica bem no centrinho da cidade, é justo nos preços e bom nos pratos), mas conserva o ambiente original, bem como as receitas (o filé é famoso mesmo fora do Estado) e o bom atendimento.

9. Caminhar muitos, muitos quilômetros, de olhos atentos à ‘eterna novidade do mundo’ – como ensinava mestre Caeiro.

Sim, caminho, real e metaforicamente. Os muitos e muitos quilômetros, um probleminha nos joelhos hoje me desaconselha, mas as caminhadas longas, de preferência sem compromissos, ajudam a resolver  problemas, ordenar um pouco do caos que se forma ao longo da rotina. Ainda consigo perceber a tal ‘eterna novidade do mundo’, e agradeço  esta capacidade.

Doutor??

Outro dia ‘descobri’ que precisava de um Código Penal comentado (o tipo de coisa que acontece sempre em momentos pós-salario, não sei o motivo!) e corri até a livraria mais próxima para resolver este problema. Interessante as diferenças: para comprar um romance, você tem de procurar um vendedor, convencê-lo de que realmente vai comprar e, se brincar, ainda tem de localizar o livro por conta própria. Para comprar um livro da área jurídica, o atendimento é outro: são quase duas lojas em uma.

Abordei a vendedora, educadíssima, que me indicou dois códigos (“este aqui é mais voltado para concursos, este outro é ideal como referência”) – escolhi o de referência, com um sorriso; participar em qualquer concurso nesta área ainda é um plano distante. Enquanto fechava a nota no computador, a pergunta dela: “O doutor pretende pagar em cartão de crédito, ou à vista?”. Perdi uns cinco segundos alí: um procurando o doutor (“hei, doutor, a moça está falando contigo!!”). Outro entendendo (o doutor sou eu), e os  três que sobraram decidindo se eu ria, ficava quieto ou educadamente explicava minha realidade de simples estudante à menina. Optei por ficar quieto e aceitar o tratamento, morrendo de vontade de rir. Formalidade, tenho de me acostumar urgentemente a ti.

Querendo ler:

A Casa dos Budas Ditosos, romance do João Ubaldo Ribeiro. Lí uns trechinhos na época em que foi lançado e… caramba, como é bom! Lá no site: “O livro traz a história de CLB, uma mulher de 68 anos, nascida na Bahia e residente no Rio de Janeiro, que jamais se furtou a viver – com todo o prazer e sem respingos de culpa – as infinitas possibilidades do sexo. Seriam as memórias desta senhora devassa e libertina um relato verídico? Ou tudo não passa de uma brincadeira do autor?”. Delícia de leitura… 🙂

esquisitices selecionadas, primeira parte.

Tenho as minhas… fumo charuto social e anti-socialmente (e nem precisa ser um charuto caro, dependendo da hora até os de 2 reais a unidade estão valendo!). Socialmente, depois do churrasco, de farra e dividido, ‘cada um dá uma puxada’ (se estiver frio, então, é 10!). E anti-socialmente, sozinho, em momentos de reflexão mais séria. Não faço isso sempre (minha sobrinha deu-me três cubanos de presente, e seis meses depois ainda tenho dois e meio!), mas faço. É bom alertar.

Gosto de música, gosto demais, mais que a média. E gosto de ouvir dirigindo também. Há uns quinze anos, peguei o gosto e a manha de instalar um bom  som nos carros que tive. A esmagadora maioria das pessoas pagaria para alguma loja instalar; eu faço isto em casa, no apartamento, onde eu puder e estiver. Se eu pagar para alguém fazer isso, um de nós acabará maluco de raiva e desistirá do negócio. Já aconteceu. Nada de  som alto, mas sim de qualidade…. então, se me virem com tinta nos braços, cola de sapateiro nos dedos, mãos arranhadas, fita isolante presa no cabelo,  ou se meu carro estiver sem carpete ou forros de porta, não estranhem.

E eu torço (ou ao menos simpatizo) com o Olaria. É, o time de futebol carioca, do estádio da rua Bariri. Jamais estive lá; o máximo que cheguei foi, talvez, em projeto (meu projeto é carioca da Lapa, mas a gestação foi no frio curitibano e nasci pé-vermelho, no norte do Paraná).  Mas quando me perguntam ‘qual seu time’, a resposta vem na hora: Olaria. É um time simpático, que luta pra sobreviver, brasileiríssimo neste sentido. Acho até mais brasileiro que os grandes times, que já esqueceram destas dificuldades todas. E nunca, jamais alguém me incomodou numa segunda-feira, comentando o placar do Olaria, ou sua classificação no campeonato. A felicidade, às vezes, está nas coisas simples.