Lá pelos anos 80, eu olhava para as notícias de meu mundo e imaginava que em trinta ou quarenta anos seríamos quase suecos ou alemães em avanços sociais, acesso à cultura, representação popular, vivência ecológica, educação, capacidade de convivência entre costumes e crenças opostos (e até naturais num país de nossa dimensão), oportunidades, justiça, saúde, distribuição de renda; parecia que, aos trancos e barrancos, o Brasil caminhava nesta direção, assim como boa parte do mundo ocidental desenvolvido. Conseguimos – num momento histórico especialmente fervilhante – levantar uma constituição repleta de garantias à atuação social do Estado e proteção ao cidadão perante abusos deste. Questionamos (até onde foi possível) poderes enraizados na estrutura social brasileira, criamos balizas e contrapesos no sentido de evitar retrocessos. O resultado – imperfeito, fragmentado e multiforme como seus autores humanos – ainda assim era um passo imenso na direção de um futuro menos políticamente medíocre, socialmente cínico, economicamente injusto com seu próprio povo e sua terra; era uma ruptura e não um mero ajuste de trajetória. Olhava para frente e podia pensar um Brasil bonito, digno. Que falta, para quem vive o Brasil 2017, desta luz no futuro da história, que falta…
Arquivo mensais:setembro 2017
o que anda no vento
O vento naquela cidade
Deixava na pele um outro gosto,
Doce e doentiamente presente em tudo
(Não havia nesta época tanta poeira no ar;
Sobrara da poeira vermelha aquela que escondia o asfalto
& quebrava-se entre gomos desconexos das calçadas, ou nos jardins das casinhas de madeira, nas raízes nuas das árvores)
De algum jeito, recobria desta doçura estranha
até o olhar e o pensar da gente
incitava as pequenas gentilezas
os sorrisos entre desconhecidos
uns grãozinhos de tempo em que o vivente abençoava a condição.
1990
Bem aqui, mas bem longe no tempo (1989, 1990) – era meu cantinho preferido após as 16:30hs, numa época sem muitas perspectivas além do dia em que eu estava. Chegava no que à época era uma pequena mercearia, pedia ao Edson uma coca KS (a verdadeira, de vidro) e uma Folha de Londrina… da minha mesa, eu via surgir aos poucos o bando de meninas que se reunia alí, nas últimas horas da tarde, donas do olhar mais terno com que eu poderia retribuir à curiosidade delas.
Elas eram – aos meus olhos – a tal vida fazendo-se entender, um espetáculo barulhento e enérgico, vibrante, colorido; enquanto elas ensaiavam ou firmavam-se na adolescência, eu ia chegando a um acordo de paz com a minha, quase um armistício entre o garoto perdido dos anos anteriores e o rapaz recém-nascido alí. A tal ternura venceu-me.
Êxtase de Santa Tereza – Bernini
…”O êxtase de Santa Tereza”, de Gian Lorenzo Bernini – finalizado em 1652. Retrata o momento exato da revelação do amor divino à Santa Tereza, coração atravessado pelo dardo de ouro flamejante de um anjo belíssimo (assim foi narrado o momento). Atenção à expressão atenta do anjo – que parece observar seu triunfo sensorial – aos tecidos que parecem móveis sobre o corpo teso da Santa, ao pé que parece buscar o apoio terreno que jamais encontraria, a mão inerte pendendo sobre a rocha, contraposto à vívida e sublime expressão no rosto de Santa Tereza.