Brasilia, curiosidades satisfeitas & algumas histórias também.

Brasilia sempre foi uma cidade intrigante, para mim. A história da capital plantada em meio ao cerrado no planalto central, construída em plena adolescência pátria, me deixava perplexo. Motivos (do local, da forma, políticos, históricos), as lendas que rondam a construção, histórias de minha família ligadas ao lugar (meu avô morou lá em seus últimos anos de vida e trabalho), tudo contribuía para a curiosidade. Curiosidade antiga que só foi saciada (e precariamente, mal tive tempo de experimentar de verdade a cidade) há dois meses. Enviado para um treinamento, acabei justamente em Brasilia, para três dias realmente corridos junto a outros colegas.

Desta vez, resolvi dividir as despesas do hotel com um amigo, e encontrei nele alguém que também não conhecia Brasilia, e não se conformava em ir até lá (ainda que a trabalho) e voltar sem conhecê-la. Dei sorte: arriscamos um bocado (saímos à noite sem conhecer NADA da cidade, à pé), rodamos pelo setor hoteleiro, Torre de TV, praças, eixo, shoppings próximos (dois), fizemos o city tour no último horário do ônibus (e debaixo de um frio de quinze graus, expostos no andar superior do mesmo),  jantamos em um shopping bacaninha (Brasilia Shopping). Arrisco dizer que, se eu tivesse ido sozinho, provavelmente não teria me animado a sair tanto em tão pouco tempo.

E havia o hotel. Bom, pra começar, era antigo (o segundo hotel de Brasilia)… talvez, se eu não estivesse me divertindo, teria implicado com isso – o hotel era realmente antigo, construído em 1965 e pelo jeito, não reformado e com aqueles sinais de decadência meio tristes na manutenção. Mas eu gostei dele assim mesmo e, para três dias, estava OK. Corredores longos, arquitetura típica dos anos 60 no hall, quartos grandes,  louças de tamanho descomunal no banheiro, coisas que não se vê mais (porque parece que tudo o que foi construído nesta época hoje está transfigurado em algo atual). O hotel era uma ‘máquina do tempo’ em que se hospeda no passado, um passado bem gasto, é verdade, mas ainda assim uma experiência diferente e rica pra quem for atento e souber observar. Lí (pela net, dias depois) que foi vendido a um grande grupo hoteleiro e será demolido para construção de uma torre de 25 andares, outro hotel – certamente, nenhuma máquina do tempo.

Fiquei nele por duas noites e, asseguro, era BEM assombrado. Papo sério. Na primeira noite, levantei por três vezes para ver quem batia à porta (coisa de maluco, ok – não façam isso em outro hotel!). Mas fui, e na terceira, fiquei de botuca, esperando o engraçadinho pra pegá-lo no pulo, mexendo na maçaneta. Abri a porta no ato e…. senhores e senhoras, não havia NINGUÉM no corredor, nem luz, nem elevador, nada. Olhei pro colega, dormia feito criança na outra cama, olhei de novo pra porta, abri, sem viva alma. Ou melhor, quando muito, só alma.

Fiquei quieto e não comentei o ocorrido com o amigo neste dia. Mas eu ouvi e ví a maçaneta se mexendo por três vezes… e em nenhuma delas havia gente de carne e osso no corredor. Ok, achei ‘normal’ pela idade do Hotel (e, convenhamos, um hotel destes vê e passa por muita coisa ao longo de tanto tempo), me convenci de que era uma assombração boa (já que não senti medo algum, só espanto) e dormi tranquilo. No dia seguinte, em que fizemos o tal city-tour, andamos bastante à pé, chegamos bem pra lá de cansados. Assistimos TV e lá pelas tantas, percebi que assistia sozinho… desliguei pelo controle remoto, deixei-o perto da cabeceira, e caí no sono. Sono leve, bom. Aí acordo na manhã seguinte com a TV ligada, baixinho, num canal de notícias… meu amigo dormindo o oitavo sono, virado para o outro lado. E o bendito do controle no exato lugar onde o deixei… sem explicação. Olho o timer da TV… Desligado. Meu amigo acorda sonolento, pergunto para ele… “não, acordei agora. Vc. não deixou ela ligada de ontem pra hoje??”. Nossa assombração gostava, também, de televisão! Além de brincalhão, teve a gentileza de me acordar na hora exata para não perder o último dia de treinamento!

Sobre a cidade, posso dizer que resolvi parte da curiosidade e curti o quanto pude. Comi muito bem (especialmente no jantar – um grelhado sensacional no primeiro dia, e um banquete ogro no Outback do Park shopping, uma hora antes do vôo de volta); conheci os principais espaços, construções e monumentos (mas à noite, correndo), tive o prazer de andar a pé (odeio quando não posso fazer isso, perambular um pouco pelas redondezas do hotel) bastante (mais do que meus joelhos permitiriam normalmente), conversei com os locais (do comércio ao taxista, colegas de curso, etc), pude ver um pouco do mosaico humano de sotaques, visões de mundo dalí. Brasilia me pareceu marcada pelas suas divisões, pela história quase toda recente. É uma experiência humana única, e quem não acredita que a cidade e sua arquitetura moldam o homem que alí habita, vá lá e entenda a extensão desta influência. Gosto especialmente do assunto cidades e fiquei o tempo inteiro ligado, captando isso. Aproveitei e fui pesquisar sobre a construção, a escolha do local, as decisões técnicas e políticas, e achei uma série de reportagens do jornal Correio Brasiliense extremamente interessante aqui.

E, por fim, algo importante para mim: finalmente conheci (ao menos de passagem) os lugares onde meu avô trabalhou e viveu. Era estranho pensar em estar lá trinta e cinco anos depois do que ele planejara – meu avô estava mobiliando o apartamento cedido a ele para que nossas férias de 1976 fossem justamente lá em Brasilia; mas um ano antes disso, um despenhadeiro na estrada o levou de nós. Era ele o brincalhão do hotel? Não creio muito nisso. Mas sei que ele esteve comigo boa parte do tempo, curtindo as férias rápidas junto ao seu primeiro neto, de um jeito parecido (andando muito, como ele gostava e eu gosto, comendo bem e à vontade, e me apresentando a cidade).  De algum jeito difícil de explicar, sei que tivemos um pouco daquelas férias que não aconteceram, muitas décadas depois.