a pin-up de vidro, aço e concreto

Stahl House, Case Study 22, por Julius Shulman

Stahl House, Case Study 22, por Julius Shulman

São Google é mesmo mágico. Nas minhas andanças atrás de obras do xará Richard Neutra (arquiteto), curiosidade minha, acabei esbarrando ocasionalmente em algumas fotos feitas  por Julius Shulman (fotógrafo especializado em arquitetura) e na Stahl House. A história: na década de 50, uma revista estadunidense (Arts & Architecture) contratou vários arquitetos de destaque para que projetassem o que seria a casa norte-americana de então (modernista, utilizando técnicas e estruturas inovadoras, e materiais como aço e vidro abundantemente). Vivia-se o furor do pós-guerra, os recursos fartos, e os baby boomers consumiam um estilo de vida que procurava afirmar-se (e mais tarde, conseguiria, ao menos em parte). Estas casas foram chamadas de ‘estudos de caso’, sendo várias construídas de fato e algumas ainda preservadas. Com projeto de Pierre Koenig e situada em uma área reservada de Los Angeles, a Stahl House, ou Estudo de Caso 22, talvez seja a mais emblemática delas; tornou-se ícone, através das fotografias de Julius Shulman. Com sua grande área envidraçada, uma vista livre  da cidade em sua porção ‘aérea’ (parte da casa está sustentada em um penhasco por uma estrutura de concreto), a Stahl já foi descrita como ‘uma pin-up de vidro, aço e concreto’ – uma conexão evidente entre desejo e luxo, exposição e sensualidade, estilo de vida e sucesso.  Em uma de suas fotografias mais famosas, Shulman compõe uma cena noturna, na qual duas mulheres conversam na sala suspensa da casa, a vista de Los Angeles como pano de fundo. Em fotos de outros artistas, mais recentes, a mesma vista se impõe contra a piscina que margeia a casa, azul contra azul, o deck se prolongando além dos limites que a física impõe. Realmente impressionante.

Por curiosidade, a Stahl é mantida aberta à visitação, em grupos, mediante agendamento e uma pequena taxa. Aqui, o link do site dedicado à casa, com a história da casa, reservas, muitas fotos e curiosidades. Espero fazer um tour destes, ainda… 😉

A Stahl House hoje, foto obtida na Wikipedia.

A Stahl House hoje, foto obtida na Wikipedia.

Inesquecíveis

Há muitos anos (uns dez) eu fiz uma lista de coisas que eu não queria esquecer. Era uma lista bem resumida e, verdade, deveria ter elencado umas vinte ou trinta lembranças logo – muita coisa interessante ficou de fora, e, principalmente, muita gente. Mas gostei de encontrá-la perdida num arquivo antigo, e avaliar se eu realmente esqueci alguma delas…

1. Pedro Juan Caballero num dia de chuva, rachar a parrillada e a cerveja boliviana em um restaurantezinho paraguaio com um grande amigo;

Não, não me esqueci. Íamos a Pedro Juan em ônibus de excursão, pela diversão de comprar as tranqueirinhas eletrônicas, caña paraguaia, peças de computador,  batata frita de tubo, e tudo aquilo que ainda não existia em Cuiabá em 1991/2.  Havia um restaurante do lado paraguaio que servia a parrillada, em um braseiro levado à mesa. Dois grandes bifes e muitos miúdos de boi; meu amigo adorava os miúdos e eu ficava com os bifes. A cerveja tinha quase um litro e era uma delícia, jamais encontrei em outro lugar… muy buena!!! O amigo era o Roberto Hor-Meyll, meu grande, grande amigo. Ele conseguia estas viagens para a gente com a esposa, a Maria, e saíamos do trabalho na sexta-feira direto para o ônibus; muita bagunça e muita risada depois, no domingo cedo, estávamos novamente em Cuiabá, de malas cheias e bolsos vazios!!

2. Em outra viagem, o olhar e as risadas das meninas de lá, enquanto o coletivo fazia a linha aeroporto – divisa pelas ruazinhas de terra;

Vez ou outra fui sozinho para Pedro Juan… lembro-me de ter ido buscar minha impressora (sim, em 1991 uma impressora nacional era ‘incomprável’ com nosso salário) e resolvi registrá-la na alfândega, para evitar problemas com a fiscalização. Com a mochila cheia de muambinhas pessoais e a caixa (enorme) da impressora, peguei um coletivo no centro da cidadezinha e fui até o aeroporto, longe do comércio paraguaio. Aí sim conhecí Ponta Porã e Pedro Juan: ruas de terra, jeitão interiorano, a chuva fina e alguma lama, bares de tábua, ruas de silêncio, e sim, dentro do ônibus, um grupo de meninas, estudantes, com aquele jeito (aparência, modo de olhar, rir, abordar, puxar conversa) exatos do norte do Paraná (o que eu adoro de paixão)… foi divertido. 🙂

3. Subir escondido no terraço do Edifício Milão, ou no INSS/Cuiabá, e perder o fôlego com a vista. Depois descer como se nada tivesse acontecido;

Eu fiz algumas vezes, em 85, 86. O Milão era ‘o’ edifício comercial de Cuiabá na época, e eu gostava de subir escondido no terraço. Não tinha nada a ver com o comércio de lá, apenas pegava o elevador e subia até o penúltimo andar… aí, escadas e a vista de Cuiabá, linda. É verdade que morava gente lá (porteiro, acho), mas isso era um detalhe… nunca me descobriram mesmo… rs…

O do INSS subi com minha irmã e um amigo, na mesma época. Despistamos os seguranças (trocamos de elevador quatro vezes no caminho!), e chegamos ao tal terraço;  na hora de descer, a mesma manobra e sucesso. Muitos e muitos anos depois, já trabalhando, universitário, etc… uma amiga  me liga à tarde, ‘estou na frente do seu trabalho’. De farra, fomos até lá e subimos, desta vez menos escondidos. Deixamos apenas um documento na entrada (dela, um crachá de estagiária já sem uso) e subimos, querendo falar com um ‘joão de tal no sexto andar’. Não encontramos o joão de tal, claro,  porque passamos direto para o terraço…

4. Fugir do serviço numa quarta-feira à tarde e ir tomar um chopp geladíssimo, em pleno horário de expediente;

É verdade. Trabalhava à tarde e, quase toda semana, ia resolver problemas de madrugada (trabalhava em um banco como programador e acabei responsável, sozinho, pelo software de compensação bancária – a ‘digitação’ e troca dos cheques com os outros bancos). O problema é que o tal software só rodava à noite, e terminavam o trabalho de madrugada… meu telefone tocava tarde da noite dia sim, dia não; como não poderia deixar ‘pro outro dia’, pegava meu carro e ia lá resolver vastas plantações de pepinos. Lógico, como não recebia horas-extras, tirava algumas folgas ‘por conta’ e, várias vezes, ia parar no Goiabeiras, quando havia um terraço bacana por lá, com vista da cidade.  Chopp, uma porção de fritas, depois um cinema… três horas da tarde. 😉

5. A menina loirinha do teatro, desesperadoramente linda, perfeita, escondendo o rosto atrás da camiseta, depois de um ensaio, rindo.

É especialmente difícil escrever sobre isto, mas vamos lá: em 92, resolvi voltar a estudar (engraçado como isto é uma constante em minha vida!) e procurei o antigo colégio Anglo, hoje Isaac Newton / Cin. Era o melhor cursinho pré-vestibular da cidade, cabia no meu (apertado) orçamento de programador, e ficava no meio do caminho entre minha casa e o trabalho. Foi onde conheci a menina, e perdi-me em tentativas por uns bons dois anos. Um amigo aconselhou: ‘esquece, ela é modelo (nessa hora eu quase desisti mesmo, não curto nada deste mundo) e atriz de teatro (e aí eu me apaixonei de vez… deste mundo, eu gosto!)’.  Infelizmente (e este é um infelizmente sentido) a falta de jeito, a velha incapacidade de expressão – qualquer nome para isto que era mais que timidez apenas – minou qualquer chance de final feliz, ou, ao menos, de alguns bons momentos assim. Mas ficaram guardadas algumas cenas, e uma das que ainda me tocam, tanto tempo depois,  é de um finalzinho de tarde, em que o grupo saía do ensaio, e ela passou por mim descalça, exausta, tentando esconder o rosto atrás da camiseta e rindo, o olhar que me encantava. Pouquíssima gente, depois, teve este dom de me tirar o rumo, de preencher com mágica o que ainda não havia, de dar grande sentido a coisas muito simples.

6. Entre Colider e Alta Floresta, andar na estrada coberta pelas árvores – como em um túnel; parar em um botequim na beira da estrada e jogar conversa fora com outros viajantes, tomando café;

Quando ainda existiam árvores e a estrada não era asfaltada – algo como 1988 ou 89, creio. Meu pai tocava, com pouquíssimo dinheiro e muita vontade, um jornal tablóide que circulava semanalmente no norte de Mato Grosso. É uma lembrança impressionante: a floresta cobria a estrada, e só não a invadia por conta do tráfego desta. As árvores encontravam seus galhos acima da estrada, em alguns pontos, e o cheiro úmido e frio da mata era constante. Andava-se não ao lado, mas em meio ao verde… meu pai, cansado de dirigir nosso velho Ford Corcel azul, encostou em um botequim de beira-de-estrada. Colonos gaúchos tocavam o barzinho, com o sotaque puxado e o jeito de servir do Sul. Quando a estrada afastava-se um pouco da mata, o céu que se via era claro e extenso, infinito. Fotografia alguma capturaria aquilo, e nossa proporção em relação ao mundo se fazia dramática – algo estranho e forte, mas esclarecedora e, de alguma forma, religiosa – no sentido exato de religar-nos a algo superior, a uma força além, incompreensível, mas perfeitamente discernível. Algo que todo mundo deveria experimentar um dia.

7. Invadir a pista do aeroporto para ‘fotografar o 737 mais de perto’, e sair escoltado por dois agentes da Infraero;

Fiz. Era um garoto louco pela aviação, que sonhava em ser piloto e, até, de garimpo (!), e ia ao aeroporto de Várzea Grande  todo domingo junto ao pai, buscar as pilhas de jornal (Folha de São Paulo e Folha de Londrina) para distribuir nas bancas. Hoje é praticamente impossível algo assim acontecer, mas em 85, quando Cuiabá era uma cidade muito menor e mais simples, tranquila, eu fiz. Catei a máquina fotográfica, aproveitei a distração do meu pai e fui lá pra pista, ‘tirar umas fotos’, que ainda tenho… 🙂

8. Almoçar no Restaunte Rodeio, quando estiver em Londrina. E se sentir um pouco na cidadezinha de 1970, andar pelo calçadão, sem pressa, sem destino;

Sagrado. Vou a Londrina, vou ao Rodeio. O Rodeio é um restaurante antigo, sem muito luxo, mas de mesa farta e tempero excelente. Nas décadas passadas, foi o lugar onde costuravam-se acordos políticos, onde fechavam-se negócios, onde ia-se comer bem com a família. Hoje, tornou-se um restaurante ‘prático’ (fica bem no centrinho da cidade, é justo nos preços e bom nos pratos), mas conserva o ambiente original, bem como as receitas (o filé é famoso mesmo fora do Estado) e o bom atendimento.

9. Caminhar muitos, muitos quilômetros, de olhos atentos à ‘eterna novidade do mundo’ – como ensinava mestre Caeiro.

Sim, caminho, real e metaforicamente. Os muitos e muitos quilômetros, um probleminha nos joelhos hoje me desaconselha, mas as caminhadas longas, de preferência sem compromissos, ajudam a resolver  problemas, ordenar um pouco do caos que se forma ao longo da rotina. Ainda consigo perceber a tal ‘eterna novidade do mundo’, e agradeço  esta capacidade.

Doutor??

Outro dia ‘descobri’ que precisava de um Código Penal comentado (o tipo de coisa que acontece sempre em momentos pós-salario, não sei o motivo!) e corri até a livraria mais próxima para resolver este problema. Interessante as diferenças: para comprar um romance, você tem de procurar um vendedor, convencê-lo de que realmente vai comprar e, se brincar, ainda tem de localizar o livro por conta própria. Para comprar um livro da área jurídica, o atendimento é outro: são quase duas lojas em uma.

Abordei a vendedora, educadíssima, que me indicou dois códigos (“este aqui é mais voltado para concursos, este outro é ideal como referência”) – escolhi o de referência, com um sorriso; participar em qualquer concurso nesta área ainda é um plano distante. Enquanto fechava a nota no computador, a pergunta dela: “O doutor pretende pagar em cartão de crédito, ou à vista?”. Perdi uns cinco segundos alí: um procurando o doutor (“hei, doutor, a moça está falando contigo!!”). Outro entendendo (o doutor sou eu), e os  três que sobraram decidindo se eu ria, ficava quieto ou educadamente explicava minha realidade de simples estudante à menina. Optei por ficar quieto e aceitar o tratamento, morrendo de vontade de rir. Formalidade, tenho de me acostumar urgentemente a ti.

Querendo ler:

A Casa dos Budas Ditosos, romance do João Ubaldo Ribeiro. Lí uns trechinhos na época em que foi lançado e… caramba, como é bom! Lá no site: “O livro traz a história de CLB, uma mulher de 68 anos, nascida na Bahia e residente no Rio de Janeiro, que jamais se furtou a viver – com todo o prazer e sem respingos de culpa – as infinitas possibilidades do sexo. Seriam as memórias desta senhora devassa e libertina um relato verídico? Ou tudo não passa de uma brincadeira do autor?”. Delícia de leitura… 🙂

esquisitices selecionadas, primeira parte.

Tenho as minhas… fumo charuto social e anti-socialmente (e nem precisa ser um charuto caro, dependendo da hora até os de 2 reais a unidade estão valendo!). Socialmente, depois do churrasco, de farra e dividido, ‘cada um dá uma puxada’ (se estiver frio, então, é 10!). E anti-socialmente, sozinho, em momentos de reflexão mais séria. Não faço isso sempre (minha sobrinha deu-me três cubanos de presente, e seis meses depois ainda tenho dois e meio!), mas faço. É bom alertar.

Gosto de música, gosto demais, mais que a média. E gosto de ouvir dirigindo também. Há uns quinze anos, peguei o gosto e a manha de instalar um bom  som nos carros que tive. A esmagadora maioria das pessoas pagaria para alguma loja instalar; eu faço isto em casa, no apartamento, onde eu puder e estiver. Se eu pagar para alguém fazer isso, um de nós acabará maluco de raiva e desistirá do negócio. Já aconteceu. Nada de  som alto, mas sim de qualidade…. então, se me virem com tinta nos braços, cola de sapateiro nos dedos, mãos arranhadas, fita isolante presa no cabelo,  ou se meu carro estiver sem carpete ou forros de porta, não estranhem.

E eu torço (ou ao menos simpatizo) com o Olaria. É, o time de futebol carioca, do estádio da rua Bariri. Jamais estive lá; o máximo que cheguei foi, talvez, em projeto (meu projeto é carioca da Lapa, mas a gestação foi no frio curitibano e nasci pé-vermelho, no norte do Paraná).  Mas quando me perguntam ‘qual seu time’, a resposta vem na hora: Olaria. É um time simpático, que luta pra sobreviver, brasileiríssimo neste sentido. Acho até mais brasileiro que os grandes times, que já esqueceram destas dificuldades todas. E nunca, jamais alguém me incomodou numa segunda-feira, comentando o placar do Olaria, ou sua classificação no campeonato. A felicidade, às vezes, está nas coisas simples.