Dias sem remédio

Tem dias que não têm remédio, nada e ninguém os cura. A gente acorda pedindo pra que eles passem em branco, mas justo nestes dias, tudo acontece – de preferência, aquelas coisas que você não pode resolver. Pede pra acabar logo o dia, pra dormir bastante e quem sabe acordar legal no outro, mas novamente, estes dias tendem a durar uma eternidade e o sono, a ser pouco. Pede um coração mais fútil e vazio, mas não adianta muito – continua se preocupando com todos do mesmo jeito, e está todo mundo lá dentro ainda, também do mesmo jeito. Pede sossego, todos os lugares sossegados que você conhece estão ocupados e a empresa está lotada de gente, parece até algo combinado. A escada, o banheiro, o hall de entrada, a copa, a despensa… Pensa em deixar tudo, levar uma falta e cair na estrada sem muito destino, mas quanto mais você se aproxima disso, mais telefones tocam e problemas insolúveis brotam do nada – coisas que nos dias COM remédio jamais aconteceriam. Pede algum vento, uma chuva rápida que seja, pra se distrair e quem sabe se animar um pouco, mas o calor bate os 42 graus, seco, e a fumaça de alguma queimada próxima rí da sua cara. Por fim, procura uma latinha de coca-cola (que vc nem bebia mais) e… acabou, a máquina está vazia. Sem remédio.

Dois ou três minutos

Vem o garoto nos seus 10 anos, falando ao celular, e a mãe logo em seguida. Observo-os: o menino tentando explicar ao pai onde estão (“pai, aqui nas Americanas… na parte de cima do shopping, onde a gente sempre vem”) e a mãe tenta ajudá-lo: “filho, na porta de saída perto das Americanas… explica direito pra ele”. Pergunta pro garoto onde está sua mochila, ele diz que esqueceu no carro (no meu ou no do seu pai?). Ele explica: “mãe… ele tá lá em cima ainda, no congestionamento… disse para eu ir pra lá. Vem comigo??”. A mãe diz que não: o salto não deixa, é muito longe… reparo: uns 10cm da altura dela pertencem mesmo ao sapato. Morena, traços bonitos e um pouco cheinha, a mulher afaga o rosto do filho, beija sua testa e se despede; o garoto a abraça e some em direção ao pai. Seria um pai de fim de semana?

Profissão de febre

    quando chove,
eu chovo,
    faz sol,
eu faço,
    de noite,
anoiteço,
    tem deus,
eu rezo,
    não tem,
esqueço,
    chove de novo,
de novo, chovo,
    assobio no vento,
daqui me vejo,
    lá vou eu,
gesto no movimento

… do Paulo Leminski… assim como esta pequena jóia:

    a noite – enorme
tudo dorme
    menos teu nome