Lost in Translation / Encontros e Desencontros

Lost in Translation - CartazLost in TranslationLost in TranslationLost in Translation

Peguei o filme por acaso tempos atrás, a diretora era conhecida (Sofia Coppola – a filha do “hómi”) e de cara ví Bill Murray e Scarlet Johansson nos papéis principais… pensei… este promete!!! Adiantando o final, foi melhor que a promessa: o filme é uma delícia, leve e otimista sem ser ingênuo/superficial, parte de um enredo simples (um ator entediado e em crise encontra-se e faz amizade com a mulher negligenciada de um fotógrafo de moda, no Japão) para contar uma fábula pós-moderna.
O mais gostoso é que seria muito fácil o filme se tornar uma elegia aos relacionamentos relâmpago, sem passado/futuro e de presente curtíssimo, mas Sofia usa justamente este ambiente (e Toquio como expressão máxima dele) para contar uma história que fala de carinho, amizade, atenção – e que pode, ou não, acabar em algo mais. Não dá pra contar muito mais sem estragar a surpresa, mas os minutos finais valeriam um prêmio… como o cartaz do filme diz, “everyone wants to be found”. Nada mais verdadeiro.

Richard Neutra, de novo.

Mais um trabalho do xará Neutra, à venda nos EUA… esta está em Bel Air, L.A., deste 1959. Pediam us$ 25.000.000,00, mas por us$ 19.000.000,00 fecham negócio… alguém me arruma os 19??? 🙂

Singleton House - Neutra 2Singleton House - Neutra

Preço absurdo à parte, o traço é espetacular… construída em um tempo em que segurança era um “problema menor”, a área envidraçada e a integração interior + ambiente são alguma coisa de sonho.

Ítalo Calvino / Cidades Invisíveis

“O inferno dos vivos, se existe, não é o que foi nem o que será; é aquele que formamos vivendo juntos. Há duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil: é você adaptar-se ao inferno até ao ponto de não mais percebê-lo; a segunda é árdua e exige atenção e cuidado contínuos – e nela reside a sabedoria – que é no meio do inferno você descobrir quem e o que não é inferno e preservá-lo e abrir caminho e ir adiante.”

O trecho acima é o último parágrafo do livro Cidades Invisíveis, de Ítalo Calvino. Livro rápido, mas denso, Cidades Invisíveis é uma reflexão sobre a vida em sociedade, a cidade não só como símbolo desta interação e estranhamento, mas das ilusões e contradições da vida possível nelas. Na narrativa do viajante Marco Polo, contando ao conquistador Kublai Kahn sobre cada cidade de seu império que encontra em suas andanças, vão desfilando aspectos e nuances do viver urbano, de forma profunda e concisa.

Cada cidade que Marco Polo relata recebe um nome de mulher, talvez pela significação da cidade como ponto de partida da vida social, cidade-mãe, ou talvez cidade-mulher, cidade-desejo. Calvino disse certa vez que não precisaria escrever mais nada, pois tudo que ele tinha para dizer, havia dito neste livro. Depois de ler e reler muitas, muitas vezes as Cidades, não duvido; Calvino tem obra vasta e muito interessante, lí boa parte dela, mas Cidades realmente é o livro em que tudo foi dito.

Uma das cidades é exemplo completo da tese acima: Berenice, sucessão em sí mesma de cidades justas e injustas, e seu alerta: “… entre as sementes da cidade dos justos, esconde-se também uma semente maligna: a certeza e orgulho de estar certo –e de ser mais justo do que tantos outros que se acreditam mais justos do que os justos. Essa semente fermenta amargura, rivalidade, ressentimento”. São poucas páginas, é verdade, mas todas dizem muito; não há espaço para supérfluos ou futilidades nas Cidades de Calvino.

Mapeando o coração

Parte da revisão anual no cardiologista, tive de encarar um aparelhinho chamado MAPA por 24 horas – é uma espécie de medidor de pressão automatizado, que “acorda” de 15 em 15 minutos. Uma parte vai atada ao braço esquerdo (como em um aparelho convencional) e a outra, ligada por uma mangueirinha, vai presa ao cinto (no meu caso, paciente relapso, na calça mesmo). Tem o tamanho de um walkman antigo, peso idem… após as 24 horas, recolhem o aparelho e os dados são transmitidos ao computador, que emitirá um mapa das pressões durante o dia. Quase um iPod gigante dedicado à sua saúde.

Aí fiquei pensando, no meu mundo da lua: e se o aparelhinho mapeasse de fato o coração das pessoas??? Não o órgão, mas o “coração”, aquela entidade tão cara a poetas, apaixonados, desapaixonados, escritores, compositores, mal-amados e amados deste mundo??? Alguém pode querer excluir da lista aí de cima os desapaixonados e mal-amados, mas são estes os que, justo pela falta, mais se ressentem do “coração”. Amamos também o que nos falta.

Que coisa maravilhosa, embaraçosa, seria… imagine a cara do seu médico… ou o(a) auxiliar, ao olhar os exames? O quanto a mais não se exigiria da ética médica??? Dados confidenciais, doutor: eu amo fulana, eu detesto fulano, não consigo tirar aquela mulher daí de dentro, e assim por diante. Apaixonados reticentes, em seu exame: “falo, não falo? será que sim? será que não? “. E os outros amores também… o coração de uma avó rodeada de netos? Quanta coisa não apareceria… poderíamos olhar depois, com calma, e identificar os pontinhos: “ah, este aqui eu conheço… amo faz uns dois anos!!”. Seu médico lhe olharia com ar grave: “- E este ponto aqui, seu fulano?”. “- Ciclana, doutor. A bendita ainda me deixa louco!”. Um garotinho: dois décimos o cachorro da casa, três para os pais, três pro irmão e o restante tudo em bicicleta!

Merceditas

Quem ouve Merceditas, chamamé de Ramón Sixto Rios regravado por dezenas de artistas latino-americanos, não pode imaginar que a história do amor alí contado é real, e a Merceditas do título vivia até alguns anos atrás.

Ramón Sixto Rios, chamamecero de então 27 anos, participava de uma apresentação em Humboldt (pequena cidade da província de Santa Fé, Argentina) em um dia de 1939; Ramón era então um artista conhecido e respeitado. Em meio à festa, entre uma música e outra, Ramón se encanta com uma garota loira, neta de suecos e alemães, Mercedes Strickler Khalov, então com 24 anos. Merceditas, como as amigas a chamavam. Mercedes e Ramón dançam, conversam, se entendem; o sentimento que nascia alí naquela noite atravessaria décadas, e renderia ao chamamé uma de suas obras mais marcantes.

Ramón manteve nos próximos meses intensa correspondência com Mercedes; a lembrança apertando-o, toma a decisão: sobe em um ônibus, e volta à Humboldt para se declarar à Mercedes e pedi-la em casamento, alianças junto. Para sua surpresa, Mercedes, apegada à sua terra natal e à vida que levava em sua fazenda, não aceita a proposta; Ramón, desiludido, volta à vida de músico. Seis meses depois compõe Merceditas, que se torna nacionalmente conhecida pelo rádio, com sua melodia simples e a história quase universal (que atire a primeira pedra quem puder dizer um “eu não” sincero) do amor não-correspondido, doído, chorado. Aqui, porém, o caso era real (e talvez o que a torne tão diferente das outras).

Consta que Mercedes estava na copa de sua casa, quando ouviu pelo rádio a canção e reconheceu nela, além da voz de Ramón, várias frases ditas pessoalmente a ela quando ambos se conheceram, naquela festa. Mercedes, descrita como uma mulher belíssima e de hábitos pouco comuns para a época – como usar roupas de couro e dirigir uma moto, por exemplo – entende para quem eram aqueles versos; ainda assim, permanece na rotina de sua fazenda, entre flores, cães e muitos gatos. Prefere continuar assim. Já Ramón, algum tempo depois, casa-se, e – ironia – fica viúvo dois anos depois. Volta a propor casamento a Mercedes, e novamente, ouve um não. Merceditas continuava, então, como sua música de maior sucesso.

Quarenta (isso, quarenta!) anos depois disso tudo, Mercedes Strickler é procurada pela reportagem de uma revista portenha para contar sua história. Um exemplar contendo a entrevista chega às mãos de Ramón Sixto Rios, que a convida a visitá-lo em Buenos Aires. O reencontro acontece, e algum tempo depois, Ramón falece. Neste meio tempo, retornam as correspondências, uma carta por dia. Mercedes, sua musa, continuaria vivendo em sua fazenda por muito tempo ainda, sempre só e enfrentando grandes dificuldades financeiras, até falecer, em 2001 e aos 84 anos, em um hospital de Santa Fé. Poucos dias antes, Mercedes teria dito: “ninguém neste mundo me amou tanto quanto ele”.

Bom, aí está a história… impossível ouvir Merceditas depois do mesmo jeito.

Amanhecer

Londrina amanhecendo

Um dia eu acordei muito mais cedo
do que deveria acordar alguém em férias,
e surprendi a cidade acordando, cada luz, cada canto.

A cidade de terra vermelha onde brinquei
olhou entre contrariada e surpresa –
e me sorriu, com pássaros e ruas vazias.

Londrina, com carinho.

Leminski

Vim pelo caminho difícil,

a linha que nunca termina,

a linha bate na pedra,

a palavra quebra uma esquina,

mínima linha vazia,

a linha, uma vida inteira,

palavra, palavra minha.

Paulo Leminski, em “Distraídos Venceremos” – tanto em tão pouco espaço.

Errando a vida adoidado

Dizem que errar e não aprender com isso é desperdiçar um erro à toa. É vero.
Outro dia à noite, navegando sem rumo, encontro o blog da Srta L.. Uma única foto, da época em que perdemos contato. Bonita, é verdade, mas também alguém com quem eu me sentia extremamente bem – era como encontrar alguém “de casa”. Vieram um monte de lembranças; vejo que ela está longe (geograficamente), está bem (felizmente), e tem dois blogs… No perfil dela, a frase: “O inferno é a repetição”. Deve ter outro sentido para ela, provavelmente em outro contexto, mas para mim calhou certinho: tantos anos depois, se brincar, ainda consigo repetir os mesmos erros, o dito pelo não dito, a dúvida pela certeza, a vida plena pela plena certeza de ter perdido a boa chance, enfim, de ter sido alguém na história dela, e vice-versa. A mesma incapacidade de expressão, que salvo duas ou três vezes na vida me deu alguma folga, se eu deixar, bagunça meu meio-de-campo.
Espero que Srta L. tenha descolado alguém bem legal, merecidamente (era uma menina muito, muito gente boa). Olho com carinho para a lembrança da gente pelos saguões, pelos bares, rindo, se divertindo; mas olho também com uma certa dor pro menino que eu fui, imensamente angustiado por não conseguir se explicar. Tomara que de tanto errar um dia eu acerte.

Choveu

este domingo mas foi bom

acordar com a procissão de caminhões perto da minha janela, cedo

São Cristóvão e festa, benção na estrada

(passei pela festa e ganhei a benção, por telepatia)

e almocei bem, bem ali no Sinuelo

feliz por isso.

Valeu, meu Deus!!

Caminante???

Sim, Caminante. Do Antonio Machado, poeta espanhol duma luz danada, quase-presença, religião dos livres.

Caminante vem do poema mais famoso dele, iluminação do livre-arbítrio que rege esta nossa caminhada. Com alma andarilha, vai abaixo o poema-título do site:


“Todo pasa y todo queda,
pero lo nuestro es pasar,
pasar haciendo caminos,
caminos sobre el mar.

Nunca persequí la gloria,
ni dejar en la memoria
de los hombres mi canción;
yo amo los mundos sutiles,
ingrávidos y gentiles,
como pompas de jabón.

Me gusta verlos pintarse
de sol y grana, volar
bajo el cielo azul, temblar
súbitamente y quebrarse…

Nunca perseguí la gloria.

Caminante, son tus huellas
el camino y nada más;
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.

Al andar se hace camino
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.

Caminante no hay camino
sino estelas en la mar…

Hace algún tiempo en ese lugar
donde hoy los bosques se visten de espinos
se oyó la voz de un poeta gritar
“Caminante no hay camino,
se hace camino al andar…”