Edward Hopper – pintor por excelência do novo viver norte-americano do pós-guerra – sempre pareceu-me um artista aclamado pelo público mais pela primeira impressão que suas obras deixam – a de familiaridade (creio que ainda maior para o público de seu país, mas em um mundo cada vez mais igual e repetitivo, não duvido que outros povos se identifiquem). Seus cenários e tipos são comuns do dia-a-dia das cidades.
A segunda impressão destas obras, creio que uma parcela bem menor do público tenha dado a atenção devida: em todas as cenas em que aparecem figuras humanas, elas estão banhadas pela mesma luz absoluta, implacável do cenário. Esta luz ilumina mais do que a figura deles; ela parece transfixar em cada um deles uma angústia, uma incerteza e uma solidão absoluta que nascem juntamente a este “novo viver” (a modernidade?).
São ruas, escritórios, cinemas, bares, hotéis; em suas cenas noturnas (o famoso Nighthawks, o café de esquina em que o casal conversa) a tal luz absoluta impede qualquer comunicação maior, qualquer expressão verdadeira. Mesmo quando suas modelos estão nuas ou seminuas, não há desejo em cena: há apenas a tal solidão. Em outro quadro, chop-swey, duas mulheres estão sentadas em um restaurante; uma nos olha de forma fixa, como se quisesse atravessar a barreira imposta pela obra e nos falar algo. Ela não olha para sua amiga, mas para o espectador (Hopper, nós mesmos).
Hopper me parece, de alguma forma, um provocador: contrapõe o ambiente tão caro aos sentimentos de seu público (o sonho americano e exportado) aos seus resultados (um modo de vida egoísta, solitário, desumano). O mundo iluminado, higiênico, asséptico e planejado abrigando vidas sem maior motivação. Provocação de gente grande, gênio mesmo.